Graduartes celebra 10 anos com mostra especial na Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes

Graduartes celebra 10 anos com mostra especial na Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes

A exposição Graduartes chega à sua décima edição em 2025 reafirmando o compromisso da Universidade Federal do Espírito Santo com a difusão da arte contemporânea e da pesquisa acadêmica em artes visuais. A mostra, já consolidada no calendário cultural da Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes (GAP), apresenta ao público os trabalhos de conclusão de curso dos estudantes formados em Artes Plásticas e Visuais em 2024 — uma celebração da produção jovem e experimental que pulsa dentro da universidade.

A  abertura  ocorreu  no   dia 6 de junho e visitação  irá até 11 de julho, a Graduartes 2025 reúne uma diversidade de linguagens, formatos e poéticas que refletem os múltiplos caminhos trilhados pelos artistas em formação. A curadoria desta edição é assinada pelas professoras Cláudia França e Julia Rocha, que apostam na força do coletivo e na potência crítica dos trabalhos apresentados.

Um dos destaques deste ano é a inclusão inédita das monografias como parte da exposição. Em um gesto simbólico e político, as atas de defesa desses trabalhos — tradicionalmente invisíveis aos olhos do público — estarão expostas nas paredes da galeria. A iniciativa amplia o escopo da mostra ao reconhecer a pesquisa escrita como prática artística e reforça a missão da GAP de integrar arte e pensamento crítico.

A lista de artistas participantes é composta por Alice Brambati, André Rezende, Ariel Kaianne Santos Moura, Bruna Rodrigues, Emegrama, Henrique Nascimento, Jessica Barcellos Bastos, Juliane Mangifesti, Kleiton Rosa, Lorena Valiate, Michel Arantes, Sulamita e Victor Zorzal Zobole — nomes que em breve passarão a integrar o circuito de arte contemporânea do Espírito Santo e do país.

Fundada em 1976, a Galeria de Arte e Pesquisa é pioneira na institucionalização da arte contemporânea no Estado. Desde sua transferência para o campus universitário de Goiabeiras, em 1994, a GAP se consolidou como espaço vital de experimentação, formação e diálogo entre artistas, curadores, educadores e pesquisadores. Mais que uma vitrine, a galeria é território de pensamento e construção coletiva de conhecimento em arte.

A exposição está aberta ao público de terça a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h às 17h.

Entrevista Cláudia França

  1. A Graduartes é realizada semestralmente, sempre ao fim dos ciclos letivos. Quais desafios e potencialidades você enxerga nesse modelo de exposição como um espaço contínuo de formação e visibilidade artística?

 

R: A GRADUARTES é uma exposição coletiva realizada anualmente, marcando o fim dos cursos de graduação em Bacharelado/Licenciatura em Artes Visuais. Geralmente, há um chamamento para que estudantes se inscrevam para apresentação de seus trabalhos artísticos. Para 2025, propusemos uma ação conjunta de finalistas com seus orientadores, de modo que estes tivessem ciência do processo e pudessem auxiliar na indicação de um ou dois trabalhos que estejam no escopo da defesa pública do Trabalho de Conclusão de Curso. Também agimos no sentido de agregar estudantes concluintes que não expuseram trabalhos artísticos. Mesmo tendo realizado pesquisas teóricas ou de outra aplicabilidade de conteúdos artísticos, seria interessante que participassem simbolicamente. A agregação de folhas de atas de defesa de seus TCC’s foi, de certo modo, este ato simbólico que ali, converteu-se em “imagem”.

 

Esta é a primeira vez que estou à frente da GAP, fazendo a agência desta exposição. De fato, há o lado do desafio, que é mesmo a logística de inscrição, entrega dos trabalhos, montagem e desmontagem. Sobretudo, construir a cultura de que o fazer artístico implica outras operações. Ou seja, é preciso que pensem como o trabalho será montado. Vai levar passe-par-tout, vai levar vidro/acrílico ou não? Pode ser manipulado? Será exposto sobre algum praticável ou instalado diretamente na parede ou no chão?

 

São dúvidas que poderiam ser mais bem sanadas se os estudantes visitassem mais a galeria para a vivência do espaço, em termos físicos, não no sentido de verem exposições ou outra atividade de formação. Refiro-me à experiência fenomenológica de estar em um espaço com as características da GAP. Nem todos os equipamentos culturais de universidades situam-se no mesmo campus de estudo; isso demanda deslocamentos que aqui, não temos. Conhecer o espaço expositivo é um modo de dialogar com um trabalho em processo ou recém- finalizado.

 

Diálogo se desdobra em dialética. Aqui, a dialética se dá na percepção de conflitos entre situações distintas de um mesmo trabalho. Uma coisa é vê-lo no ateliê, no espaço de produção. Mas o deslocamento de um trabalho do ateliê para o espaço expositivo cria uma série de demandas novas, indicando a continuidade do processo de criação. E isto, a meu ver, é de uma riqueza ímpar. O processo de criação ganha outra espessura, reveste-se de peles novas sempre que há um novo elemento a ser considerado. O que os visitantes veem é a exposição coletiva, a abertura da exposição. Mas aos expositores, cabe-lhes o cuidado com estes aspectos anteriores à abertura, adotá-los como experiência agregadora. Penso que estas e outras questões são de importância fundamental na formação das sensibilidades e da atuação profissional de estudantes, seja de graduação ou pós-graduação.

 

  1. Quais temas ou abordagens se destacaram entre os trabalhos dos estudantes nesta edição da Graduartes? Você enxerga alguma tendência emergente entre os jovens artistas formados pela UFES?

 

R: Penso que a diversidade é um elemento importante a ser considerado na pré-produção e montagem de uma exposição coletiva. Cada curadoria trabalha a partir de critérios que lhe pareçam os mais interessantes para aquele momento. Nesta exposição, tive como parceira Júlia Rocha, arte-educadora; conseguimos agir em uma direção que considerasse pontos de contato, em meio às diversidades. A diversidade, em meu entender, é sinal de saúde nos processos criativos. A diversidade é uma resposta às adversidades. No mundo complexo em que vivemos, com tantas disponibilidades instrumentais para o exercício criativo, viver as diferenças é interessante porque podemos perceber o rumo das escolhas, do aprimoramento técnico, dos aspectos conceituais que se sintetizam na subjetividade da cada autor/autora. Os trabalhos também refletem, em muito, as condições de trabalho em que foram pensados e materializados. Não creio em tendências, pero que elas existem, existem! Mas percebo como os trabalhos se conectam (ou não) a um contexto mais amplo, aos modos de vida e de sobrevivência, àquilo que nos toca. E assim seguimos.

 

  1. Como a Galeria de Arte e Pesquisa (GAP) tem se reconfigurado como espaço de experimentação e diálogo para os estudantes em formação?

 

R: A GAP tem sua historicidade e importância consolidada no ambiente cultural da Universidade e de Vitória. Ela foi inaugurada em 1976, mas com tramitação para sua criação desde 1975. Estamos na entrada de seus 50 anos! A GAP é a primeira galeria voltada à arte contemporânea e experimental do Estado. Inicialmente locada na Capela de Santa Luzia, centro histórico de Vitória, foi transferida posteriormente para o Campus Goiabeiras. Ficou locada por algum tempo no Centro de Convivência, mas entre 2000 e 2001, passou a ocupar o espaço hoje conhecido por nós. Isso quer dizer que também comemoramos 25 de anos de GAP no atual sítio.

 

Nesses anos, a galeria recebeu trabalhos de diversas naturezas e procedências: desde artistas nacionais convidados, artistas que estavam a participar do Festival de Verão ou da Semana de Artes, artistas professores do curso, estudantes. É preciso que nos apoderemos mais dessa história para que possamos compreender a importância da Galeria Arte e Pesquisa, bem como sua reconfiguração funcional, desde que o Festival de Verão e a Semana de Artes finalizaram suas edições.

 

Em meu entender, a GAP tem condições de se tornar um ótimo laboratório de extensão e de pesquisa. Isso pela diversidade de atividades que ali podem ser feitas, como montagens de exposição, curadorias associadas, monitorias, elaboração de arquivos. Ali se fazem defesas de trabalhos de conclusão de curso, rodas de conversa, workshops e outras ações para além das exposições propriamente ditas. Penso ainda que a GAP tem um grande potencial de abertura de seu escopo para outras demandas dentro do Centro de Artes: estudantes de comunicação social podem elaborar matérias, textos e releases de exposição a serem veiculados em nossos meios de comunicação; estudantes de arquitetura podem propor estudos para reforma e otimização do espaço físico, detendo-se nos problemas estruturais pelos quais passamos; estudantes de design podem estudar propostas de revitalização das fachadas, renovação de identidade visual da galeria e outros projetos gráficos; a GAP também pode ser pensada como um lugar para pequenos estágios não formais na licenciatura em artes visuais. São aspectos que demandam trabalho contínuo, mas que poderão apresentar seus frutos daqui a algum tempo.

 

 

  1. Como sua trajetória como artista influenciou seu modo de atuar como professora e agora como diretora da Galeria de Arte e Pesquisa? Há contaminações entre esses papéis?

 

R: Estudei em uma escola de artes em um momento em que muitos professores, senão a maioria deles, atuava como artistas plásticos. Essa dupla exposição de um mesmo agente me influenciou por demais na disposição interna de aproveitar ao máximo a minha graduação. Mesmo trabalhando fora durante toda a graduação, compreendia as minhas condições de trabalho e desenhei muito nas madrugadas, li textos, via catálogos, ia nos vernissages para conhecer os trabalhos, outros artistas, para além daquele(s) que estava(m) a expor. Passava um tempo de minha hora de almoço na biblioteca da escola, vendo as revistas nacionais e internacionais. Foi tudo muito bom.

 

Iniciei minha carreira como docente muito jovem, insegura se teria algo a passar para outros estudantes; como eu agiria, já que não fiz licenciatura ou tive qualquer outra atuação no campo do ensino. As únicas coisas que poderia tirar da bolsa e colocar sobre a mesa da sala de aula eram o entusiasmo com o fazer artístico e a necessidade de exercer a escuta. Acorri, como muitas e muitos, às lembranças de exercícios da graduação e em algumas vezes, visitei professores que continuaram a exercer a sua generosidade. Uso alguns daqueles exercícios até hoje.

 

No contato com exercícios e trabalhos de estudantes, precisamos compreender uma série de aspectos do processo de ensino-aprendizagem. Como eu posso diagnosticar problemas nos seus trabalhos e proposições se eu não tenho o mesmo olhar rigoroso para o meu trabalho artístico? Avaliar e apreciar o trabalho do outro me exige esse olhar consciencioso para o meu próprio processo. As avaliações devem ser coletivas, a fala dos estudantes deve ser incentivada. Outra coisa: evito ao máximo que a Cláudia artista entre em sala de aula comigo. Ela tem o seu espaço próprio para atuar. Ali quem está a trabalhar é a professora, consciente de que para ensinar, precisa aprender uma sorte de assuntos. Mas ocorre esse paradoxo: por mais que evite mostrar meus trabalhos artísticos em sala de aula, o fazer é minha seiva. No fazer, estou lidando com diversos problemas, tanto os da arte quanto aqueles em que a arte busca comentar. Não levo meus trabalhos para a sala de aula, mas levo questões, o amor/respeito pelo processo de criação, minha alegria de criar e ver potencialidades nas propostas dos estudantes. Às vezes, eu fico mais entusiasmada com o que apresentam do que eles mesmos (risos)!

 

Tenho muito pouca experiência de trabalho na GAP para construir esta triangulação artista-docente-coordenadora. Deixemos esta resposta ao deus-tempo.

 

 

  1. Ao assumir a direção da GAP, que desafios você encontrou para manter a galeria como um espaço de experimentação, especialmente em um contexto institucional?

 

R: Veja, o meu maior desafio agora é assumir um papel nunca assumido antes e incorporá-lo como experiência profissional. Sou docente, já trabalhei em biblioteca, já fui chefe, já fui coordenadora de curso, já fui estudante formal. Mas coordenar uma galeria exige outros recursos que não desenvolvi, não sei se realmente os tenho. Nas outras situações, há um protocolo de atribuições que pertencem a um organograma maior, nem sempre você é o elemento decisório de uma questão. Mas a coordenação da GAP exige-me uma maior visibilidade, estar em diversos lugares distintos, propor, trocar ideias e decisões com o Conselho, agir. Sem ação deliberada, não há eventos na GAP. E mais: como gerenciar um espaço que tem um grande potencial para ser um laboratório de ensino e pesquisa, com a escassez de verbas porque passamos nos últimos 10 anos? Temos muitos problemas infraestruturais sem solução a curto prazo e nos vemos com dificuldades de elaborar projetos a médio e longo prazo. Precisamos acolher mais estudantes bolsistas para que o trabalho de pré-produção, produção e pós-produção seja contínuo. No entanto, não podemos deixar que esses problemas constituam a identidade da GAP. A Galeria é um ótimo projeto e merece ser alçada a um outro patamar dentro da UFES e região.

 

 

  1. Recentemente você realizou a exposição EM CASA, realizada no Centro Cultural UFMG. Ao pensar a casa como “provisória”, você também toca em questões de deslocamento e instabilidade. De que maneira isso ressoa com seu percurso artístico e pessoal?

 

R: Ao estudar o conceito da casa, pude perceber a riqueza de acepções sobre o morar, a construção do espaço físico, suas funções de abrigo, guarda de objetos e ainda, como um “lugar de memória”. A relação da casa com a construção da intimidade; a casa como um lugar autobiográfico. Viver dentro de uma casa é topar consigo o tempo todo, por meio de objetos, de vazios, das relações interpessoais tramadas ali dentro. No entanto, em termos de uma vivência pessoal, considero-me nômade. O nomadismo não “combina” com o enraizamento que a casa proporciona. Tenho em minha história de vida diversos deslocamentos físicos, em que tive de morar em outras casas, duas ao mesmo tempo na mesma cidade, fazer grandes reformas, receber pessoas por mais tempo do que o comum, ter animais domésticos, a própria convivência familiar. De fato, a casa é um campo prenhe de experiências.

 

Fora da situação “romântica” da casa como refúgio, podemos pensá-la como o lugar dos romances familiares e da vivência de diversas situações de tensão. Há pessoas que odeiam suas casas ou não se sentem confortáveis nelas, por n motivos. Deslocam-se para evitar esse enfrentamento com esse espelho difícil. Há sempre alguma situação de instabilidade no interior de uma casa. A quebra de um objeto, o eletrodoméstico que estraga, o curto-circuito. São situações rotineiras em que nelas vejo trabalhos em potencial. Por isso a casa é meu lugar de trabalho constante, pois decidi por não ter um ateliê. Então, a observo o tempo todo, tentando mesclar o pragmatismo do cotidiano às poesias do mesmo cotidiano.

 

Por outro lado, temos uma espécie de “casa imaginária”, pouco mais do que o berço como a primeira casa fora do corpo da mãe, pensando aqui em Bachelard.  A mim, essa casa imaginária se apresenta sempre que me mudo de cidade, de casa, de bairro. E sempre que viajo também. A casa imaginária se apresenta em detalhes, em reminiscências, em cores e objetos que são mais do que aquelas presentidades que me rodeiam. O fato de me deslocar muito e construir casas provisórias me faz levar a casa imaginária na bolsa.

 

Guardo um interesse muito grande nas visitas a equipamentos culturais. Se estão vazios e se me é permitido entrar ali, ótimo. Mas se o possível é visitá-los durante exposições, gosto de imaginariamente esvaziar o espaço e devanear como seria aquela galeria, aquela sala de museu como minha casa provisória.

 

Há quase trinta anos tenho pensado na casa como tema de produção artística. Ou seja, emobra seja nômade, o pensamento sobre a casa está enraizado em minhas intencionalidades poéticas. A exposição EM CASA foi importante por ter tido a chance de experimentar o espaço articulado da Galeria Térrea do Centro Cultural da UFMG como uma casa provisória. Já havia ocupado aquele mesmo espaço em 1997, na individual “Espelhos”. Assim, em várias vezes, me peguei comparando o bem antes com aquele agora, fazendo conversar duas situações distintas e distanciadas em quase 30 anos. Outros fatores importantes: sou natural de Belo Horizonte; então, estava em casa. O Centro Cultural da UFMG pertence à universidade em que me formei. Em 2024, comemorei 40 anos de escolha pelas Artes Visuais. Havia muita acolhida para a experiência de construir minha mais recente “casa”, em casa.

 

 

  1. Como você enxerga a cena artística do Espírito Santo nesse momento, temos algo novo acontecendo?

 

R: A vida acadêmica me toma muito; sendo assim, procuro acompanhar, na medida do possível, as exposições do circuito de Vitória. Estou em dívida com visitas a outras cidades e lugares do Estado. Mas tudo a seu tempo. Em termos de Vitória, percebo que já há diversas iniciativas em processo, mas é um espaço potencial para novas propostas e ocupações. Consigo perceber e apreciar o nível das ações e da política cultural da Secretaria de Cultura do Estado; como os seus editais têm sido um balizador para um modus operandi diferenciado, seja para artistas jovens, coletivos e outras propostas. Penso que deveria haver mais projetos interinstitucionais, por exemplo, SECULT-UFES. Acho sofisticadas as exposições e propostas das galerias “comerciais”; sempre há simpósios, encontros de fala e outros modos de interlocução galeria-artista-público. Precisamos ganhar visibilidade enquanto Universidade, no circuito. Construir pontes, projetos colaborativos que possam (re)ativar espaços fora do centro conceitual da cena artística contemporânea.

 

  1. Quais são seus planos para o futuro enquanto Artista e Acadêmica?

 

Pretendo distribuir melhor o tempo dedicado às atividades de ensino, da pós-graduação e da GAP. Estou com um grupo muito legal de orientandos e alguns ex-orientandos, vamos expor em setembro, em Belo Horizonte (MG). O grupo se chama “Nuvem” – Núcleo de Estudos em Espacialidades e Materialidades em Arte Contemporânea. Então, como curadora, devo dedicar-me a essa exposição, “Nuvem na galeria”, com relação a este grupo. Em outra frente, publicar artigos referentes ao pós-doutorado concluído ano passado. Com relação à GAP, estamos em fase de cumprimento do cronograma para este ano e dedicados também à projetação de eventos que marquem seus 50 anos, tanto em 2025/2 quanto em 2026/1.

No mais, seguir o fluxo da vida.