Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus serão homenageadas no Parque Municipal
Belo Horizonte será palco de um marco significativo na valorização da história e cultura afro-brasileira. Duas esculturas em homenagem às ativistas e intelectuais mineiras Lélia Gonzalez, antropóloga e filósofa, e Carolina Maria de Jesus, escritora e compositora, passarão a integrar o Circuito Literário de Belo Horizonte, fortalecendo a iniciativa que busca destacar a rica herança literária da cidade. A cerimônia de inauguração das esculturas será realizada neste domingo (30), às 10h, em frente ao Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal Américo René Giannetti.
As obras foram confeccionadas em bronze e em tamanho real pelo artista Léo Santana, cujas mãos eternizaram também as esculturas dos escritores integrantes do Circuito Literário de Belo Horizonte e de personalidades brasileiras por todo o país. Homenagem a duas personalidades que deixaram um legado indelével na cultura e na sociedade brasileira, idealizada a partir de representantes dos movimentos de mulheres negras de Minas Gerais, como Etienne Martins, as esculturas oferecem ao público uma oportunidade única de conhecer e refletir sobre a contribuição de vozes essenciais para a nossa história e cultura.
O evento contará com a presença de autoridades locais, familiares das homenageadas, representantes de movimentos sociais e culturais, além do público em geral. Está programada uma apresentação cultural para celebrar a cultura afro-brasileira, como a participação especial da organização Yiaminas, integrante do Bloco Afro Magia Negra, formada por mulheres pertencentes a Reinados e Candomblés que tem como objetivo quebrar paradigmas e preconceitos, promovendo uma afrobetização na sociedade. As mulheres Yiaminas Yalorixá Nocelia de Oxum, Ekedy Lissa de Nanã, Ekedy Ziza de Oxumarê e Ekedy Kely de Osun farão uma cerimônia de purificação das estátuas com pipocas e água de cheiro.
Rubens Luis Rufino, filho de Lélia Gonzalez, destaca a importância da criação das estátuas para a preservação da memória e valorização do legado das escritoras deixado para as próximas gerações. “Estamos muito orgulhosos e honrados em ver que Belo Horizonte, a cidade natal de minha mãe, está fazendo esta homenagem tão importante para a história de Minas Gerais e do Brasil. É muito importante que seja do conhecimento de crianças – e de toda a população – que as mulheres negras são as protagonistas da construção deste país”, celebra.
Filha de Carolina Maria de Jesus, Vera Eunice de Jesus se diz emocionada. “Fiquei muito comovida com a homenagem à minha mãe por meio de uma escultura junto com a de Lélia Gonzalez, instalada em um lugar de tanto destaque na cidade. E o que mais me emociona é que Carolina sempre se orgulhou de ser mineira, e agora volta para Minas Gerais de uma forma muito bonita. Se ela estivesse viva, tenho certeza que ficaria muito feliz”, comemora.
Para o artista Léo Santana, a criação das esculturas de Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus foi uma honra. “Estas figuras não são apenas ícones da cultura afro-brasileira, mas também vozes essenciais que desafiaram e moldaram nossa sociedade. Colocar essas esculturas no Circuito Literário de Belo Horizonte é uma maneira poderosa de manter vivo o legado delas, proporcionando ao público um espaço para reflexão e aprendizado sobre suas contribuições”.
Na Fundição Artística Ana Vladia, em Contagem, o artista Léo Santana esculpiu as obras em diversos passos, desde a matriz de argila, passando pela forma de gesso, cópia de cera, até a fundição, o acabamento e a oxidação da escultura. “O processo, que dura em torno de quatro meses, imprime a preocupação em retratá-las com semelhança, preservando os traços e a história de cada uma”, destaca o artista.
As novas esculturas de Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus são acréscimos essenciais ao Circuito Literário de Belo Horizonte, iniciativa que busca promover a leitura, a literatura e o reconhecimento de autores que contribuíram significativamente para a cultura brasileira. As esculturas de Henriqueta Lisboa, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Roberto Drummond e Murilo Rubião, que já fazem parte da paisagem urbana de Belo Horizonte, junto com a obra “O Encontro Marcado”, que reúne Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino, escritores de renome da literatura mineira e brasileira, passam a ser acompanhadas pelas intelectuais que marcaram a história do país. A presença das esculturas em um local tão central e simbólico como o Parque Municipal contribuirá para a visibilidade e a acessibilidade ao Circuito Literário, atraindo visitantes e incentivando a reflexão sobre a importância da representatividade da literatura na sociedade.
Assim como as demais esculturas do Circuito Literário de Belo Horizonte, as esculturas de Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus serão instaladas com sinalização interpretativa e conteúdo publicado em plataforma digital. Por meio de QR Codes que serão aplicados nas placas, os visitantes poderão interagir com as esculturas e acessar os conteúdos educativos em português e inglês. Essa iniciativa contribui para a promoção da cultura e do patrimônio histórico, fortalece a identidade e o sentimento de pertencimento da população, além de incentivar a caminhada e a descoberta de novos espaços através de um roteiro gamificado.
Essa ação dialoga ainda com o Programa Rede de Identidades Culturais da Secretaria Municipal de Cultura (RIC), uma política permanente de promoção e reparação da igualdade racial, que articula e orienta o desenvolvimento de ações e projetos da cultura no município. A agenda RIC 2024 traz como tema “110 anos de Nascimento de Carolina Maria de Jesus e Abdias Nascimento”. O 5º FLIBH – Festival Literário Internacional, promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2023, teve como grande homenageada a escritora Lélia Gonzalez.
Sobre Lélia Gonzalez
Intelectual, autora, ativista, professora, filósofa e antropóloga. Nascida em Belo Horizonte (MG), no dia 1º de fevereiro de 1935, Lélia Gonzalez é uma referência nos estudos e debates de gênero, raça e classe no Brasil e no mundo, sendo considerada um dos principais nomes do feminismo negro no país. Foi pioneira em pesquisas sobre cultura negra no Brasil e cofundadora do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras do Rio de Janeiro (IPCN-RJ) e do Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia teve uma importante presença tanto na academia quanto no mundo político, denunciando o racismo e o sexismo como formas de violência que subalternam as mulheres negras. Sua obra é composta por ensaios e artigos publicados em livros, revistas acadêmicas e periódicos de movimentos sociais e de partidos. Um de seus primeiros trabalhos foi o artigo “Mulher negra: um retrato”. Na década de 1980, publicou seu primeiro livro, “Lugar de negro”, em parceria com o sociólogo argentino Carlos Hasenbalg. Seus trabalhos abordaram perspectivas interseccionais quando o conceito em si ainda não havia sido criado. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1994, e suas ideias continuam a ressoar e a influenciar os debates contemporâneos sobre questões raciais e de gênero em todo o mundo.
Sobre Carolina Maria de Jesus
Escritora, compositora, cantora e poetisa. Nascida em Sacramento (MG) no dia 14 de março de 1914, Carolina Maria de Jesus enfrentou desde cedo as dificuldades da vida nas favelas de São Paulo, onde se estabeleceu em 1947. Apesar das limitações educacionais, Carolina demonstrou uma notável habilidade literária, capturando em suas páginas a realidade cruel e, muitas vezes, ignorada das camadas mais marginalizadas da sociedade brasileira. Seu primeiro livro, “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada” (1960), é um relato autobiográfico que revela as duras condições de vida e a luta diária pela sobrevivência enfrentadas por ela e sua família. A obra foi produzida com o auxílio do jornalista Audálio Dantas e tornou-se um sucesso internacional, sendo traduzida em 13 idiomas e distribuída em mais de 40 países. Uma das primeiras escritoras negras do Brasil, Carolina é lembrada como uma das vozes mais autênticas e importantes da literatura brasileira, e que trouxe à tona as vozes silenciadas das favelas e das comunidades marginalizadas. A autora viveu grande parte de sua vida na Favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo (SP), sustentando a si mesma e seus três filhos como catadora de papéis. Faleceu na capital paulista, em 1977, deixando um legado que transcende a literatura, estendendo-se como um poderoso testemunho da resiliência humana e um grito por justiça social.
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