Do ordinário ao poético: Samira Pavesi transforma o cotidiano em arte e leva o Espírito Santo ao Norte de Minas

Do ordinário ao poético: Samira Pavesi transforma o cotidiano em arte e leva o Espírito Santo ao Norte de Minas

 

Capixaba com trajetória internacional, artista apresenta em Montes Claros (MG) obras que emergem dos restos urbanos e tensionam os limites entre o visível e o esquecido

No dia 13 de junho, o público de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, teve  a oportunidade de visitar a exposição “O que brota do comum”, que reúne obras das artistas Samira Pavesi, do Espírito Santo, e Denise Calasans, do Rio de Janeiro, no Museu Regional do Norte de Minas (MRNM). Com curadoria da pesquisadora e crítica Gabriela Davies, a mostra propõe uma travessia poética pelo banal, pelo que escapa ao olhar apressado, pelas formas silenciosas que insistem em se manifestar nos interstícios da vida cotidiana.

O trabalho de Samira Pavesi é exemplar nesse sentido. Ao utilizar materiais recolhidos no espaço urbano — grades, pedaços de madeira, telas metálicas, sobras da construção civil, plásticos de sinalização —, ela compõe esculturas e assemblages que provocam um duplo deslocamento: primeiro, do objeto que perde sua função original; depois, do olhar do espectador, que é convidado a reconstruir sentidos a partir do fragmento, do vestígio, do inacabado. Como aponta a curadora, “há, em sua produção, uma arqueologia do agora”, na qual o gesto artístico não busca reviver o passado, mas reencantar o presente com as sobras da cidade.

A exposição marca mais um momento importante na trajetória da artista, que tem se consolidado no circuito contemporâneo brasileiro e internacional. Em 2025, Samira participou de uma coletiva em São Paulo, expôs em Florianópolis, foi selecionada para residências artísticas em Portugal (NOWHERE e PADA Studios), Espanha e apresentou trabalhos na França. Essas experiências reforçam o alcance de sua pesquisa estética e ética, centrada na escuta dos materiais e na reconstrução de afetos a partir daquilo que o mundo costuma descartar.

Sua presença em Montes Claros, no entanto, carrega uma densidade simbólica. A escolha por um museu regional do interior mineiro — em vez dos habituais espaços de arte das grandes capitais — revela uma aposta na descentralização da arte contemporânea e na potência do diálogo entre territórios. “A exposição é um convite à desaceleração e à escuta sensível do entorno”, afirma Gabriela Davies. E esse entorno, aqui, ganha contornos múltiplos: o das ruas da cidade, o dos materiais ressignificados, o das experiências subjetivas e o do interior geográfico e simbólico do Brasil.

Ao lado de Denise Calasans, cuja pintura é marcada por gestos abstratos e orgânicos que evocam respiração, silêncio e suspensão, Samira estabelece uma conversa entre o urbano e o sensível, entre a dureza dos materiais e a suavidade das pequenas revelações que surgem da observação atenta. Para o diretor do MRNM, Georgino Jorge de Souza Neto, a mostra é um exemplo de como a arte pode revelar “o mundo que se apresenta no universo das suas pequenezas”. Segundo ele, “O que brota do comum” é o extraordinário!”.

Outro aspecto relevante da obra de Samira é o seu compromisso com a sustentabilidade. Ao reutilizar materiais descartados, ela propõe não apenas um reaproveitamento ecológico, mas também simbólico: seus trabalhos são como ruínas contemporâneas que, em vez de lamentar a perda, afirmam a potência do que permanece. São registros do tempo urbano convertidos em poesia visual — ressignificações que desafiam a lógica do consumo e do descarte acelerado, sem abrir mão da sofisticação estética.

A presença de Samira Pavesi no MRNM é também um marco para a visibilidade da arte capixaba no circuito nacional. Vinda de um estado cuja produção artística ainda enfrenta desafios de reconhecimento além de suas fronteiras, a artista se destaca por uma obra que alia rigor conceitual, apuro formal e uma sensível escuta do mundo à sua volta. Nesse caminho, ela contribui não apenas para sua trajetória individual, mas para o fortalecimento de uma cena artística mais plural, diversa e enraizada nos territórios.

A exposição “O que brota do comum” fica em cartaz até o dia 6 de julho, com entrada gratuita. A abertura, no dia 13 de junho foi às 17h, e contou com a presença das artistas e da curadora. Em seguida, você confere uma entrevista exclusiva com Samira Pavesi, que fala sobre sua obra, sua trajetória e os sentidos que emergem quando se olha com atenção para aquilo que o mundo geralmente ignora.

Entrevista

Samira, a exposição se chama “O que brota do comum”. O que esse título significa para você e como ele se manifesta nas obras que você apresenta?

Significa que a exposição foi pensada para dar mais atenção a esse dia a dia comum, as coisas que passam despercebidos e como a arte de insere nesse cotidiano. Ela dialoga diretamente com meus trabalhadores e minha pesquisa que está voltada para materiais vistos nessa paisagem do dia a dia, como telas de contenção ( principalmente aquelas alaranjadas que cercam construções), outras telas que carregam frutas e verduras, gradis…

Seu trabalho parte de materiais encontrados no espaço urbano, muitas vezes descartados. Como você escolhe esses fragmentos e o que te atrai nesses restos da cidade?

Partem e faço uso desses materiais mas não só eles. Essa materialidade é repetida e experimentada em outros suportes como a cerâmica e o aço. Eles são a base da minha pesquisa. Sua subjetividade e forma.

A curadora Gabriela Davies menciona uma “arqueologia do agora” presente no seu trabalho. Você se reconhece nessa definição? Pode nos contar mais sobre como esse conceito dialoga com sua prática artística?

Essa definição foi usada para o meu trabalho mas também para o trabalho da outra artista que divide a exposição comigo, Denise Calasans, e sim, nos reconhecemos nessa definição mas não nos limitamos a ela.

Em suas obras há uma tensão entre proteção e aprisionamento, liberdade e limite. Como esses contrastes aparecem em suas assemblages e esculturas? Eles refletem questões pessoais ou sociais?

Aparecem em sobreposições de materias  que vão se juntando e se transformando na obra. O processo vai ditando os próximos passos e tudo vai acontecendo no fazer, no gesto… refletem diretamente em questões mais amplas em que abordo códigos sociais e culturais mas acredito que questões pessoais acabam inseridas em todo e qualquer processo do artista.

Você tem uma trajetória marcada por exposições e residências internacionais. De que maneira essas experiências fora do Brasil influenciaram seu olhar sobre o cotidiano urbano e sobre os materiais que você utiliza?

São materiais que encontro em todos os lugares por onde passo, fora do Brasil e aqui. As experiências em residências artísticas internacionais são muito enriquecedoras principalmente pela troca com outros artistas de várias lugares do mundo. Meu olhar acaba fazendo seu próprio percurso e percebo esses materiais e formas por onde passo, aí que o titulo da exposição ganha ainda mais sentido. Esse comum cotidiano depende da gente, do que sentimos e vivemos independente do local. O essencial é a presença do aqui, agora.

O que significa para você apresentar sua arte no Museu Regional do Norte de Minas, ao lado da artista Denise Calasans, em uma mostra que propõe um olhar mais sensível sobre o cotidiano?

Representa um passo importante no meu percurso como artista, afinal foi uma seleção pública, via edital e a Denise, além de uma artista e educadora com anos de experiência é também uma amiga querida. Estou honrada e muito grata com essa oportunidade.

A curadoria fala de uma arte que se infiltra “pelas frestas do olhar distraído”. Como você entende o papel do artista nesse processo de revelar o invisível do cotidiano

Entendo que o artista acaba virando um psicopata daquilo que lhe interessa e consegue enxergar coisas que talvez outros nao vejam num primeiro olhar, pelo interesse e energia que debruça ali, além de trazer mais subjetividade para o simples e fazendo o espectador alongar seu pensamento em torno de um tema.

Seu trabalho também carrega uma dimensão de sustentabilidade. Como você vê a relação entre arte, meio ambiente e responsabilidade ecológica no seu processo criativo?

A arte acaba tratando de temas atuais ou antecipando temas amplos. No meu caso passei a me interessar pelo uso desses materiais a partir da experiência em uma residência artística que fiz em Barreirro, Portugal onde tínhamos acesso a descartes industriais. De lá pra cá não posso ver uma caçamba que paro. Rsrsrs

Você iniciou o ano com uma exposição em São Paulo, passou por Florianópolis, Espanha, França… Agora está em Montes Claros. Como você enxerga esse momento da sua carreira? Há uma virada ou amadurecimento em curso?

Com certeza sim. Vejo um trabalho contínuo de muita dedicação e persistência sendo construído. A arte exige paciência

Quais são seus próximos projetos?Podemos esperar novas investigações sobre o urbano ou há outros caminhos que você pretende explorar em breve?

Acredito que minha pesquisa vai continuar nesse caminho, explorando essa subjetividade e formas de telas de contenção, gradis e afins. Como meu trabalho tem uma característica forte de experimentar o que podem esperar é muita criatividade e entrega.

SERVIÇO

Exposição: O que brota do comum

Artistas: Samira Pavesi (ES) e Denise Calasans (RJ)

Curadoria: Gabriela Davies

Abertura: 13 de junho, às 17h – com presença das artistas

Período de visitação: 13/06 a 06/07

Horário: Segunda a sexta, das 8h às 18h

Entrada: Gratuita

Local: Museu Regional do Norte de Minas – Rua Cel. Celestino, 75 – Centro, Montes Claros/MG

Produção: Luana Z. – Atelizê Produção Cultural